No tempo do imperador Frederico, havia um ferreiro que trabalhava o ano inteiro no seu ofício, sem guardar domingos, nem a Páscoa nem dias santos, por mais solene que fosse a festa. Trabalhava todos os dias até ganhar quatro soldos, mas depois disso não dava mais nenhuma martelada, mesmo que fosse da maior urgência o trabalho encomendado, e ainda que lhe pagassem muito bem. Um dia alguém o denunciou ao imperador por profanar os dias santificados, trabalhando como nos demais dias do ano. Frederico o convocou à sua presença, e perguntou se era certo o que lhe diziam. O ferreiro não negou, e então o rei perguntou:
— Qual o motivo que te leva a quebrar o preceito dos dias santificados?
— Senhor, para atender às minhas obrigações, tenho que ganhar quatro soldos todos os dias. Conseguido isso, termina para mim a jornada até o dia seguinte.
— E o que fazes com esses quatro soldos?
— Senhor, eu os divido em quatro partes iguais. Uma eu devolvo, faço doação de outra, jogo fora a terceira, e uma eu invisto na minha subsistência.
— Explica melhor isso.
— A doação, senhor, eu a faço pagando impostos. A devolução é devida ao meu pai, tão velho e pobre que já não pode ganhar o próprio sustento, pelo que ele me emprestou quando eu era ainda criancinha e não podia trabalhar. Desperdiço a outra parte dando-a à minha mulher, para os seus gastos, o que é o mesmo que jogar fora, pois ela não sabe fazer nada além de comer e beber. Invisto na minha subsistência o restante, quer dizer, na manutenção da minha casa.
O imperador pensou então: “Se o mandasse parar de fazer assim, eu o colocaria injustamente em muitos apertos. Mas vou impor a ele uma condição severa, e se não a cumprir, vai me pagar caro”. Disse então ao ferreiro:
— Vai com Deus! Mas a explicação da tua conduta, que me deste agora, não a podes contar a ninguém. Nem uma única palavra, antes de ver meu rosto cem vezes, sob pena de cem libras de multa.
Não era fácil para um simples ferreiro ver o rosto do rei umas poucas vezes, quanto mais cem, o que significaria para ele silêncio definitivo sobre o assunto.
No dia seguinte o imperador resolveu apresentar aos seus sábios um enigma, e pediu-lhes que explicassem o sentido oculto da moeda devolvida, da moeda doada, da moeda jogada fora e da moeda investida. Deu-lhes oito dias de prazo para a resposta.
Depois de muito discutirem e não acharem a solução, os sábios concluíram que o assunto devia guardar relação com a presença do ferreiro ante o imperador, mas nenhum deles sabia o que se passara entre os dois. Não achando outra saída, resolveram espionar o ferreiro, e compareceram às escondidas na oficina. Pediram-lhe que desse a explicação, mas o ladino se conservou hermético. Ofereceram-lhe então dinheiro em troca da informação. Depois de deliberar consigo mesmo, o ferreiro respondeu:
— Já que estais tão interessados, juntai cem libras de ouro, pois só mediante essa quantia eu poderei dar-lhes a explicação.
Convencidos de que seria tempo perdido insistir, e temendo que se esgotasse o prazo de oito dias, quotizaram-se e puseram em mãos do ferreiro as cem libras. Com toda calma ele foi pegando uma por uma das moedas, e as olhava com atenção na frente e no verso. Todas as moedas continham em relevo a efígie do imperador, sendo de um lado a figura eqüestre, e do outro a face. Terminado esse lento ritual, ele explicou aos sábios o caso, exatamente como o explicara ao imperador. Os sábios saíram dali contentes.
Esgotado o prazo de oito dias, apresentaram-se ao imperador e lhe deram a explicação pedida, deixando-o muito surpreso, pois tudo coincidia com as palavras do ferreiro. Suspeitou logo que ele tivesse dado com a língua nos dentes, e pensou: “Esses sábios não seriam capazes de descobrir sozinhos toda a explicação, e o devem ter ameaçado ou até açoitado para obtê-la. Vou chamá-lo, e agora ele vai ter de me pagar toda a dívida atrasada”. Mandou chamar o ferreiro, e lhe perguntou:
— Parece que, apesar da minha proibição, falaste mais do que era conveniente, revelando o segredo que eu te havia confiado. Agora vais ter de pagar amargamente a leviandade.
— Senhor, podeis dispor não só de mim, como também de todo o mundo para fazer o que vos agrada, por isso a vós me entrego como a um pai e senhor muito amado. Porém não creio ter infringido vossas ordens, que eram de guardar o segredo até conseguir ver a vossa face cem vezes. Por isso perderam tempo todos os que tentaram obter de mim o segredo antes de haver cumprido aquela condição. Mas depois que me apresentaram cem libras de ouro, e que na presença dos interessados eu contemplei vossa augusta face em cada uma delas, não tive dúvidas em contar-lhes o que sabia. Não me parece portanto que eu vos tenha ofendido. Além do mais, eu com isso me livrei da presença insistente e incômoda dos tais sábios.
— Vai com Deus, e que Ele te dê sorte, pois foste bastante mais inteligente do que todos os meus sábios juntos!
(Novellino, in R. Menéndez Pidal, Antología de cuentos – Labor, Barcelona, 1953)
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