Parábola do gato e o rato
Certa feita um gato montês e um
rato habitavam a mesma árvore na selva; o rato morava num buraco da raiz e o
gato nos galhos, onde se alimentava de ovos de pássaros e de filhotes
inexperientes. O gato também gostava de comer ratos, mas este de
nosso conto conseguia manter-se fora do alcance de suas garras.
Um dia veio um caçador e armou
habilmente uma rede sob a árvore e, naquela noite, o gato ficou preso em suas
malhas. O roedor, contente, saiu de seu esconderijo e experimentou um
prazer enorme ao andar em volta da armadilha, mordiscando a isca e tirando
o máximo proveito daquela situação.
Logo se deu conta de que
dois outros inimigos haviam chegado: um pouco mais acima, entre a escura
folhagem da árvore, pousou uma coruja de olhos resplandecentes prestes a
lançar-se sobre ele, enquanto que por terra se aproximava,
sorrateiramente, um mangusto. O rato, sem saber o que fazer, maquinou com
rapidez um surpreendente estratagema. Dirigindo-se ao gato disse-lhe que o
libertaria, roendo as malhas, se antes lhe permitisse entrar na rede e
abrigar-se em seu colo. Mal o outro concordou, o pequeno animal, aliviado, foi
para dentro da rede.
Todavia, se o gato esperava ser
salvo de imediato sofreu uma grande decepção, pois o rato aninhou-se
confortavelmente em seu corpo, escondendo-se de modo a fugir dos olhares
atentos de seus dois outros inimigos; e então, uma vez seguro em
seu refúgio, decidiu tirar uma soneca. O gato protestou mas o rato disse
que não havia pressa. Ele sabia que poderia safar-se a qualquer instante e
que a seu contrariado hospedeiro só restava ser paciente, na esperança de obter
a liberdade.
E então, o roedor falou
francamente ao seu inimigo natural que iria esperar pelo caçador. Desse modo, o
gato também estando ameaçado, não aproveitaria sua independência para
apanhar e devorar seu libertador. O felino nada pôde fazer; seu
pequeno hóspede cochilou bem no meio de suas garras. O rato esperou
tranqüilamente a chegada do caçador e, quando viu o homem aproximar-se
para examinar as armadilhas, cumpriu sem risco sua promessa roendo as malhas
com rapidez e pulando em sua toca, ao passo que o gato, num salto
desesperado, escapuliu e alcançou um galho, livrando-se da morte certa.
Depois que o frustrado caçador
afastou-se carregando sua rede inutilizada, o gato desceu da árvore e,
aproximando-se à morada do rato, chamou-o docemente, convidando-o para
sair e reunir-se ao seu velho companheiro. Disse-lhe que a situação em que
se viram envolvidos na noite anterior já havia passado e a ajuda que cada
um prestara tão lealmente ao outro, na luta em comum pela sobrevivência,
havia consolidado uma união duradoura que apagava todas as diferenças
anteriores. Dali em diante, os dois seriam amigos para sempre, baseando-se
numa confiança mútua.
Porém, o rato mostrou-se cético e
inarredável diante da retórica do gato; recusou-se terminantemente a sair do
abrigo seguro em que estava. Uma vez terminada a situação paradoxal que os
havia colocado juntos numa estranha e temporária cooperação, não havia
palavra que pudesse persuadir o arguto animalzinho a se achegar a seu inimigo
natural. Para justificar sua recusa aos galantes mas insidiosos
sentimentos do outro, o rato pronunciou a fórmula destinada a servir de moral
ao conto. Disse, franca e diretamente:
"No campo da batalha
política não existem coisas como uma amizade perdurável".
Autoria desconhecida
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